sábado, 25 de abril de 2015

Transição


Todo mundo achava bonitinho
O menininho do comercial cheio de cachinho na cachola
Mas aí eu não entendi porque que minha mãe ficou desesperada
Quando eu quis ir de cabelo solto pra escola
"Não, menina!
Prende esse cabelo!
Amarra esse cabelo!
Senão fica feio, igual cabelo de preto!"
Eu me olhei bem no espelho
Olhei meu rosto de perto
Ou eu era daltônica
Ou aquilo não tava certo
Hoje eu vejo
Minha mãe tinha medo
Que eu fosse zoada como ela por quem se achava mais esperto
Era isso que não tava correto

Com 11 anos eu sentei na cadeira da cabeleireira
E escutei o que ela disse
"Agora sim você vai ficar linda
Vai ficar parecendo princesa da Disney!"
O meu rosto se encheu de alegria
Finalmente eu ia poder colocar a fantasia
De branca de neve
Podia ser até a Cinderela com sapatinho de cristal
Eu não era mais diferente
Agora eu era igual
Igual aquele que um dia me disse que meu cabelo era ruim
Mal sabia eu que eles estavam me mandando de novo pra senzala
E eu fui
Como meus ancestrais obedeci meu opressor
Eles não queriam que eu soubesse o meu valor
Meu cabelo tinha ficado liso
Mas eu continuava da mesma cor
Não me reconhecer em quem eu era
Nem na capa da revista
Nem na atriz da novela
Me causava muita dor

Mas aí eu cresci e comecei a me perguntar
Por que é que eu sou negra e tenho que me negar?
Comecei a perceber que existiam mulheres reais em quem eu podia me espelhar
Toda negra quando se encontra na rua
Se reconhece numa troca de olhar
Então eu tirei o formol do cabelo
Joguei fora a chapinha
Aprendi que em terra de cabelo liso quem tem cachos é rainha
Minha coroa de princesa agora é um turbante
Alguns me acham elegante
Outros me chamam de exótica
"Nossa, moça, que cabelo diferente, né?
Deve dar um trabalho, ainda bem que você gosta..."
Quem tá dando trabalho é você!
Ninguém pediu sua opinião
Diferente é essa sua cara de bosta
Eu não levo desaforo pra casa
Já falo na cara
Melhor do que falar pelas costas
E eu te pergunto: meu cabelo é diferente de quê? É diferente de quem?
Vou te passar uma informação
Nós somos metade dessa país aqui
Nós não somos ninguém

Libertem-se meninas negras!
Armem-se de seus cabelos armados
Vamos pra guerra juntas, de mãos dadas, lado a lado
Vamos provar que isso aqui não é sujo
Que preto não é imundo
Que o crespo é motivo de orgulho
Que nosso cabelo não é estilo e nem mudança de visual
Nosso cabelo é raiz, é resistência
Isso aqui não vai ser mais diferente, não
Isso aqui vai ser natural!


Um comentário:

Panaaa disse...

Como eu amo essa maravilhosa! Nega, neguinha, negona! Dona Anna minha rainha ♡