sexta-feira, 31 de março de 2017

com um peso
que não se pode
carregar
não levo mais 
pedras
me elevo
apenas
como pena
o vento
me toca
e me ver
esvoaçar
as vezes é
desespero
no peito
daquele que
não compreende
que sou dente-de-leão
me segure
em suas mãos
mas não
me sopre
muito forte
meus pedaços
espalham-se
rápido
do sul ao norte
me acompanha fácil
se entende
que sou pássaro
e que pousarei
sempre
perto
de quem me sobe
ao céu
e nao me exige
o chão
depois de me devorar por inteiro
atirou minha cabeça aos leões
sinto enormes caninos cravados
um no maxilar, outro no crânio
este quase alivia as tensões
enxergo agora o mundo de lado
fico de olhos fechados
enquanto meu rosto é lançado
numa espécie de jogo animal
me agarram ferozmente com a boca
sem que eu,
essa cabeça solta
entenda se a brincadeira é instintiva
ou se é proposital
eu sei
que essa situação te frustra
por isso ainda me acusa
de não ser carne boa pros bichos
faça-me um último favor e
assuma
assim como eles
você pôde brincar
mas foi incapaz de engolir
minha cabeça em conflito

quinta-feira, 30 de março de 2017

pensei que fosse rancorosa
de frente aquilo que não me passa
mas sei bem eu que passo tudo
esqueço
perdão transparece
mais que diluído em água
é que ainda pulsa
a dor de quando
como caneta em pouca carga
você riscou minha existência
cada vez mais rápido
cada vez mais forte
sem resquício de tinta
me fez papel rascunho
rasgando ao meio
me desperdiçando por inteiro
sou ferida aberta
que nunca cura
que não estanca
e por isso
não há homem que eu beije
sem sentir o gosto fresco de sangue
não há carinho que me toque
que não arrepie a alma
vivo em tom assustado
a tua amargura me deixou amarga
o bicho selvagem
o bicho solto que em mim habitava
você caçou
e cortou errado
com faca desafiada
azedou a carne
me fez imprestável
virei carcaça
virei carniça para urubus

Desculpas por fracassarmos no amor (Tradução)

Warsan Shire
Gosto de ficar só e por isso faço coisas solitárias.
Amar você era como ir para a guerra; nunca voltava igual.
Você odeia mulheres, assim como seu pai e o pai dele, então é hereditário.
Estava vagando pelo estacionamento dilapidado que é seu coração procurando uma carona para casa.
Você é uma cidade-fantasma e eu sou patriótica demais para ir embora.
Eu fico porque você é o começo do sonho de que quero me lembrar.
Não retornei a ligação porque ele gosta de mulheres sem voz.
Não é que ele queira ser mentiroso; é que ele simplesmente não sabe a verdade.
Não consegui amar você, você era uma miniguerra.
Cobrimos o poço da perda com piadas.
Eu não queria fracassar no amor como nossos pais.
Você fez o nômade em mim construir uma casa e se acomodar.
Não sou cachorro.
Estávamos tentando provar que nosso sangue estava errado.
Eu ainda estava me sentindo solitário, então fiz coisas ainda mais solitárias.
Sim, sou insegura, mas minha mãe e a mãe dela também eram.
Não, ele me ama sim, só me faz chorar demais.
Ele sabe de todos os meus segredos e mesmo assim quer me beijar.
Você foi cruel demais para ser amado por muito tempo.
Simplesmente não funcionou.
Meu pai foi embora uma noite e nunca mais voltou.
Não consigo dormir porque o gosto dele ainda está na minha boca.
Eu o cortei pela raiz, ele era minha árvore favorita, apodrecendo, pondo em risco a fundação da minha casa.
As mulheres da minha família morrem esperando.
Porque eu não queria morrer esperando você.
Eu tive de terminar, me sentia solitária quando ele me abraçava.
Você é a música que eu ouço várias vezes até decorar a letra e sentir náusea.
Ele me mandou uma mensagem que dizia “te amo demais.”
O coração dele não era tão bonito quanto o sorriso.
Manipulamos um ao outro emocionalmente até pensarmos que era amor.
Me perdoe, estava carente e te escolhi.
Sou uma amante sem um amante.
Sou incrível e sozinha.
Pertenço profundamente a mim.
-

Warsan Shire representa na poesia o que é negado a mulher negra: a vulnerabilidade e a sensibilidade
Warsan Shire fala sobre que coisas que estão dentro das mulheres negras e desfalece os sentimentos nas linhas
Warsan Shire não tem medo

segunda-feira, 27 de março de 2017

a distância
como uma deficiência de sentido
aguça os outros
teu cheiro
chega de longe
passa pelas narinas
entorpecendo todo o corpo
de olhos fechados
sinto também
seus pelos do rosto
escorregando pelo dorso
das minhas costas
os quilômetros
potencializam seu sussurro de vontade
e na velocidade da luz
entram em mim
no mesmo segundo
ecoando nas paredes da alma
ao mesmo tempo que
a aspereza da tua palma
traz meu corpo pra perto da brasa
que incendeia tua pele
reagindo ao frescor da manhã
a saudade é sensorial
direito de expressão?
me diz o que é direito 
de expressão?
quando estoura
o grito
engasgado
me diz que tem
o direito de estar errado?
quão revolucionário
é dar o direito
a quem já o pertence?
você que conhece
tanto a história
a memória
e a glória
me diz?
me fale você
que sempre teve o direito
de dizer
e do saber
qual a dificuldade de entender
a lógica?
se até agora
o meu direito foi limitado
se o verbo entalado
ainda incomoda tanto
mesmo que o sujeito
nunca tenha sido
eu
me diz o que é
direito de expressão?
me diz
quem
tem o direito de expressão?
quem tem?
quem teve?
a voz
a faca
e o queijo
nas mãos?
me diz quem tem direito?
se pela primeira vez que me expresso
no enredo que só conta retrocesso
no meu progresso
você põe defeito?
sempre que eu tento
e a minha expressão te bate a porta
você me poda
meu direito ainda é pouco?
dele não sobra
qualquer expressão
pra minha poesia
e mesmo assim
encontro nos versos
a saída pra minha revolta
me solta
me ouça
minha expressão
que te convém
queres pra si
meu som
minha arte
meu tom
meu jeito de se vestir
minha expressão
que não convém
pode sumir
se a mistura é tão perfeita
por que é que não aceita
tudo que eu tenho
para ti?
minha voz
meu pixo
o corpo do meu
cérebro
meu mistério
ancestral
minha geração veio ensinar
que se expressar
não é ser nega maluca no carnaval
direito
de
expressão
?
deveres
do
silêncio
!
para lei não existe metade
se só te serve
a liberdade que cala
pode chamar de insanidade
a minha postura
o
sonho
da nova loucura
acaba de ressurgir
eu tenho sede
bebo no bico
engulo tudo a goladas
dores e amores
mulheres e homens
cerveja gelada
eu tenho sede
me expresso em líquido
minhas cores
são aquareladas
só fluindo
por todos os cantos
é que minhas vontades
são liquidadas
eu tenho sede
consumo a lírica em litros
frequento os versos anônimos
dado o vício
em palavras rimadas
eu tenho sede
e tua ausência me seca
porque quero todo dia
aquele seu toque
que me deixa molhada
eu te deixo com sede
e pro deleite da sua língua
viro dose
da melhor pinga
na tua cama
fico derramada
eu tenho sede
tua abelha rainha
embebida em seu pólen
de você
quero um gole
como mel na colmeia
escorro
entre a sua saliva
marrom e adocicada