domingo, 27 de julho de 2014

E eu não mudo, mas eu não me iludo

Muitas vezes eu queria não ser isso que eu tenho dentro de mim. Eu queria ter isso aí que chamam de postura. Não sei não sentir ciúme, não sei não sentir desprezo, não sei não sentir ódio. Não sei não sentir coisa ruim quando me enfrentam. Não sei disfarçar sentimento. Não sei não gritar sentimento. Eu queria saber não falar na cara toda vez. TODA SANTA VEZ eu tenho que falar na cara. Queria não transformar tudo o que é intenso em caos. Queria manter a minha fama de pessoa equilibrada e não surtar. Queria não achar que eu estou sempre certa, simplesmente porque eu sou uma das pessoas mais erradas que já conheci mesmo achando que certo e errado são coisas relativas. Porque certo e errado existe sim. Cansei de chorar a ressaca moral. Cansei de não saber ficar sóbria. Estou sempre cercada de gente louca, porque eu prefiro essa gente, porque eu ando com essa gente desde sempre, porque eu atraio como imã essa gente. Mas nem sempre eu preciso disso. Já disse e repito, sou o amor no estado bruto e isso é insanamente cansativo. Porque nunca é metade, é sempre inteiro. E  inteiro sou sempre eu. Chuto as pessoas certas e seduzo as erradas.  Eu não queria amar tanto o contrário. Eu não queria me lixar pra alguém e no outro dia implorar pra que essa mesma pessoa não se lixe pra mim. Porque eu não sou nada mais que o outro, apesar de meu orgulho me cegar. Eu queria mudar de opinião mais fácil. Eu queria ser outro bicho que esse que eu sou. Muitas vezes.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Poeta

Falta fluidez aos novos poetas
E a mim
Falta tempo
Falta espaço
Para organizar os pensamentos
Falta calma
E fumaça
Falta graça
Falta entender que
Poesia não é ser
Não é aplauso
É silêncio
É falta
E falta um rio de certezas
Sobra lágrimas de dúvidas
Aos que nunca vão crer
E muitos menos se dizer
Poetas

O florescer da pedra

Há de se fazer poesia
Há de se enxergar
O belo no estranho
O tesão no impuro
A segurança na confusão
O ódio no cristão
A paz no obscuro
Há de se preferir o fruto verde ao maduro
Tudo é verso
E o silêncio é rima
O ritmo é a rotina da vida

A delicadeza brutal das coisas
O interesse natural das pessoas

Há de se transformar em soneto
O que se passa desapercebido
A lágrima de sono que escorre
No canto do rosto
O cisco que é cílios
Irritando o seu olho
A primeira visão de você mesmo de manhã
No espelho do banheiro
Tudo é colorido em preto e branco
Tudo é barulhento
E ao mesmo tempo brando
Interessantemente sem graça
Tudo é arte em movimento
Há de se gritar o olhar do tímido
Há de ser mesmo não sendo

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Segunda-feira

Apesar de segunda-feira
E da porcaria da rotina
Hoje pode ser um dia bom
Correndo pro trabalho
Ao sol do meio dia
Eu escutei um som
Olhei para os lados e
Encontrei o pedreiro sentado
Em meio a construção
Ele estava em outro mundo
Cercado de escombros
Dedilhando um violão
Sua voz suave me fez sorrir
E a delicadeza da cena
Me tocou o coração
Nem tudo é tão ruim
Que a gente não posso colocar
Um pouco de emoção


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Eu sou neguinha

Há dias venho pensando em falar de fato sobre ser negra. Ser negra acaba sendo, numa visão social e histórica dos fatos, uma experiência, um estado, um desafio. Sempre falei sobre negritude e sobre o negro de forma geral em pequenas doses. Mas nunca falei sobre ser negra e o que isso significa pra mim no meu ambiente social, no meu país, no meu mundo, na minha vida.
Meus pais são negros. Sei pouco sobre a vida deles e sobre as experiências deles. Meu pai morreu cedo, foi alguém que nunca tive muito contato, era alcoólatra pelo que me recordo, e minha mãe foi meu grande espelho de mulher. Minha mãe é uma nega bonita que eu acho que até hoje ainda não sabe o valor de ser uma mulher negra. Minha mãe sempre teve amigas brancas, as suas irmãs eram, apesar de mulatas (devido a mistura racial da família), consideradas brancas. Apesar de sempre frequentar lugares dominados pela cultura afro, minha mãe cortou seu cabelo por muitos anos e quando finalmente os deixou crescer e criar vida, ela alisou. E ela fez a mesma coisa com o meu cabelo, aos 11 anos de idade eu estava sentada em uma cadeira e com uma química forte em meus fios, perdendo meus lindos cachos e com a promessa de que eu  ficaria parecida com uma princesa, porque, afinal de contas, as princesas têm cabelos lisos. E sempre escutei que meu nariz era largo demais e meus lábios grossos demais. Um colega de classe passou um ano durante todos os dias rindo na minha cara por conta dos meus lábios e eu nunca respondi. Quando menor ainda, uma desconhecida pediu que eu saísse do seu lado para que não encostasse aqueles cabelos nela. Minha mãe, assim como minha vó, que era negra, recomendava que sua filha não tomasse sol demais. E eu entendo o porquê, era para evitar o sofrimento. Eu seria aceita. Seria aceita por uma sociedade que julgava meu cabelo ruim, meu nariz feio, minha boca grande e minha pele pouco convidativa. Tive poucas amigas negras nos bons colégios que estudei, tive poucas referências na tv e achava que alisar o cabelo e pensar em fazer plásticas para mudar meus traços era algo absolutamente normal. Eu me sentia feliz quando alguém dizia que eu não era tão escura, quando me chamavam de "moreninha". Isso se chama processo de embranquecimento.
Na minha adolescência a minha pele se tornou convidativa. Porque ela era da cor do pecado, ela trazia olhares maliciosos, porque negras, além da pele bonita, são boas de cama, têm natureza sexual. Mas nunca são para casar. Isso se chama sexualização da mulher negra. Acredite, há muita gente que não sabe que mulheres têm desejos sexuais normais assim como os homens e que isso independe de sua cor. A mulher negra sofre duas vezes o preconceito, o racismo e o machismo.
Na fase adulta, quando pela informação, inclusive da Internet, pelo interesse em me reconhecer em gente como eu, em saber o que essas pessoas pensavam, pela sede em descobrir e questionar o meu mundo, eu entendi que meu cabelo era bonito e que eu poderia tirar aqueles produtos dele, que minha cor não era motivo de vergonha e muito menos um apelo sexual, que meu nariz não precisava de plástica e que eu era uma mulher bonita com minhas próprias ideias e opiniões porque eu era eu. Eu nunca precisei que alguém me achasse bonita ou feia, que me achasse inteligente ou burra, que alguém me achasse arrogante por expressar sem medo as minhas opiniões ou humilde por expô-las, nunca precisei que alguém me achasse mais ou menos. Eu só precisava ser e ter orgulho de quem eu era.
Quando alguém questiona a autoestima de uma mulher negra que fala de si e de seus problemas, quando alguém diz que a mulher negra se vitimiza e tapa os olhos para toda história e para o racismo presente e pulsante, quando alguém elogia uma negra para "fazê-la sentir-se melhor", eu lamento. Isso se chama racismo. E eu lamento muito pelo racismo.
Enxergar com olhos bem abertos e falar sobre o preconceito de todo tipo, ao contrário do que os supostos subversivos polemiquinhos dizem, é sempre bom. Causa reflexão. A cada dia vejo mais meninas lindas se descobrindo, valorizando sua cor, seu cabelo, seus traços, valorizando o seu ser. A cada dia vejo mais pessoas brancas entendendo porque um negro usa uma camiseta com os dizeres "100% Negro" e a importância da valorização da raça. Um negro que sabe o seu valor é um negro que beneficia outro ser humano, pois se torna um espelho pra quem ainda vive no abismo do racismo. Uma mulher negra que sabe o seu valor é uma rainha, pois o abismo é muito maior. A cada dia enxergo mais compreensão e evolução.
E àqueles que ainda não compreendem, eu desejo um sorriso negro.