quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ausência


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
E em minha voz, a tua voz
Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado
Eu deixarei
Tu irás e encostarás tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu
Porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado
E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves,
das estrelas, serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada.

(Vinícius de Moraes)