sexta-feira, 27 de novembro de 2015

#meuamigosecreto

#Meuamigosecreto me dizia que a melhor pessoa pra eu perder a minha virgindade era ele, que a gente confiava um no outro, que a gente era amigo e que ele tinha um carinho enorme por mim. Eu ia me apaixonando por aquelas palavras e pelo jogo que fazia eu me sentir desejada. Logo eu, que tinha passado por um processo complicado na adolescência de ter sido sempre preterida, tinha me tornado o patinho feio que virou cisne e agora alguém me queria de um jeito mais profundo, mais especial. Mal sabia eu que o interesse dele e da maioria dos meninos por mim dali pra frente seria sempre um único: sexual.
A história era ainda mais complicada, porque uma grande amiga também era apaixonada por esse #amigosecreto e, claro, apesar de negar, ele também era apaixonado por ela, toda linda, toda pura, toda branquinha, moça de família. Eu, a neguinha cheia de fogo, era só para satisfazer o seu instinto as escondidas.
Eu sempre falava que nada poderia acontecer entre a gente por conta desse envolvimento entre ele e minha amiga, mas ele sempre me dizia que ela era passado, além de reforçar um ódio recheado de julgamentos machistas sobre ela. Então, aos poucos, fui cedendo, nunca dizendo pra ele e nem pra ninguém o que eu sentia, porque de alguma forma eu sabia qual era o meu lugar e a minha condição. Ainda fiz isso em diversos relacionamentos mais tarde.
Uns dias depois de uma primeira tentativa de sexo com ele, eu fui a uma festa e o vi desfilando de mãos dadas com outra garota, mais uma dessas que preenchem as exigências de “moça para namorar”. Chorei no meio da festa, bebi tudo que podia, encontrei um amigo dele e foi naquele dia, com esse sujeito, que perdi a minha virgindade em um motel barato qualquer.
Não me lembro até hoje de praticamente nada. Me senti péssima e acabei contando pra ele em um outro dia, foi quando ele me levou embora de sua casa e me tratou como se eu estivesse suja. A coisa só piorou depois daí, porque agora ele e os amigos tinham aval para me taxarem de biscate, de fácil e para ficarem me ridicularizando nos lugares. Eu me sentia cada vez mais perdida.
Quando enfim me libertei de tudo, ele começou a namorar a minha amiga. Eu tomei coragem e contei o que havia acontecido a ela. Um tempo depois ele apareceu, tentou fazer com que eu me sentisse culpada, que eu sentisse vergonha por ter traído uma amiga, que eu sentisse vergonha por ter exposto algo que era para ter ficado escondido, me julgou, me humilhou, fez com que eu me sentisse a pior pessoa do mundo.
A minha amiga também achou que eu fosse culpada, brigou comigo e eu fiquei sozinha. Todos os meus amigos passaram a achar que eu não era alguém confiável, até eu mesma passei a me ver assim e levei meses para desfazer esse pensamento na cabeça das pessoas e na minha própria cabeça.
Eu já superei tudo isso, eu já perdoei essa pessoa, apesar de provavelmente ele ainda se sentir isento de culpa em toda essa história, mas, mesmo assim, eu não queria ter feito esse relato, porque ainda me dói de alguma forma. Eu ainda fico tensa quando as pessoas tocam no assunto de virgindade, porque tudo isso volta a minha cabeça e eu nunca sei o que falar. Só que todas nós resolvemos juntas colocar essas coisas que doem pra fora de uma vez por todas, para que os caras se toquem, para que as meninas mais novas não passem por isso, para que as pessoas percebam como o machismo está impregnado em nós, para que repensemos a criação de nossos filhos, a educação das nossas crianças. E sim, histórias e comportamentos como esses se tratam de casos de machismo e não de um “rolo” como costumam chamar por aí. Viver em uma sociedade machista é achar que as mulheres são sempre culpadas. Culpadas por se relacionarem com quem bem entendem, culpadas por aceitarem abusos, culpadas por serem maltratadas.
As meninas além de ter uma relação distante com seus corpos e a sua sexualidade e terem, em sua maioria, péssimos inícios de vida sexual, passam por traumas durante a vida inteira com sua aparência e em situações que comprometem seu psicológico. Entram em relacionamentos abusivos e são violentadas de várias maneiras, enquanto os garotos seguem a vida sem ser dar conta disso.
A situação das meninas negras é ainda pior, porque enfrentamos dupla opressão, a do machismo e a do racismo, nós ainda somos vistas como a diversão casual, como o objeto sexual, como a cor do pecado, como a imagem do desejo que não deixa o homem em paz, como se a gente não tivesse nenhum tipo de sentimento, a gente é apenas carne e é a carne mais barata do mercado. Muitas vezes, desestabilizadas emocionalmente, a gente assume mesmo esse papel.

Que, no mínimo, antes de ficar bostejando sobre essa hashtag, parem para refletir como nós mulheres estamos cansadas de desde a infância sermos subjulgadas e abusadas, como nós estamos saturadas e que isso não se trata de uma onda, de uma moda, de uma loucura que viralizou, de distribuição gratuita de ódio (até porque de gratuito isso não tem nada). Somos uma nova geração de mulheres que resolveu cobrar isso por nós e por quem nunca teve voz. Que isso sirva pra pensarmos juntos em como podemos mudar essa situação.