segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Nós já fizemos coisas irracionais
Nossos corpos pagaram pelos nossos pecados
Nossos corações pelos perdões
Mas foram os nossos pés
Que cansaram das nossas estradas
E nossos braços
Abraçados
Que nos protegeram dos ventos fortes
Só nós sabemos
Só nós somos remédios para nossas feridas
Nossos olhos são nossas cicatrizes
Incuráveis
Somos fogo e gasolina
Lampião e Maria Bonita
Você Diego e eu Frida
A fome e a vontade de comer
Nos devoramos e somos devorados
Nos embriagamos de nós mesmos
E estamos sempre de ressaca
Nossas cabeças doem e não sabemos o que fazer
Estamos perdidos
A gente não sabe o que quer
Só o que não quer
E a gente não quer que isso acabe
E a gente não quer nem saber


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Exótica

É engraçado que eu e algumas mulheres sejamos consideradas exóticas, diferentes e outras coisas do tipo. Na verdade, não é engraçado, mas é curioso que eu me perceba sendo realmente uma espécie rara em alguns ambientes. Olho em volta e todo mundo é praticamente igual e eu sempre tenho poucas pessoas com quem eu possa me identificar. E aí, fica mais curioso, porque eu moro no Brasil e quantas mulheres negras e de cabelos crespos moram nesse país? Milhares. Só que quantas estão na mesma faculdade? No mesmo local de trabalho? E olhando para o lado estético, que é sobre o que quero falar, quantas tem o mesmo cabelo? Quantas não tem vergonha de usar turbantes (agora ninguém tem, porque está na moda) ou qualquer tipo de adereço que representa nossas raízes?
Em todos os lugares que eu vou, sempre tem alguém pra falar do meu cabelo, sempre. De como é bonito, de como é isso, de como é aquilo, é claro que eu gosto, mas é importante refletir em como um cabelo como o meu que era para ser comum em um país com uma população 50% negra, se torna o diferente, o exótico, algo a ser comentado.
Pouca gente quer ser o diferente, então a maioria se encaixa no padrão. Mais do que serem consideradas diferentes e exóticas, poucas meninas querem ser consideradas feias. Porque ser o que você realmente é, mulher negra com os cabelos crespos, ainda é considerado feio, sujo, marginalizado, não apresentável etc. Eu já falei sobre isso aqui. São palavras duras, mas são verdadeiras. Ainda enfrento preconceito da minha própria família por ter escolhido manter o meu cabelo natural. Escolha que fiz há pouco tempo, pois passei a vida alisando o cabelo. E acho que o preconceito que sofro da minha própria família, onde todos tem os cabelos crespos, vem do medo de que eu seja oprimida. Vem do medo de que eu enfrente desde piadinhas até a falta de credibilidade. E eu entendo isso. E acho importante que todos pensem sobre isso.
Estou me aproximando cada vez mais de gente com quem me identifico, seguindo páginas na internet  em que mulheres negras são protagonistas, meninas como eu, com quem eu posso trocar ideias. Me interesso por assuntos diversos, desde cuidados com o meu tipo de cabelo, pele, até todos os tipos de preconceitos que sofremos por sermos quem somos e como podemos empoderar meninas como nós.
Eu acho importantíssimo que esses espaços existam. Percebo muito que quanto mais as mulheres negras se identificam umas com as outras, mais percebem que o seu cabelo e sua roupa são, além de lindos, um ato político, uma forma de resistência. Resistimos aos padrões estéticos, enfrentamos o preconceito. E os black powers se multiplicam, as chapinhas e o formol vão para o lixo, e tudo isso deixa de ser exótico, diferente, estiloso e se torna comum, se torna natural.