sexta-feira, 30 de setembro de 2016

eu também
faço amor como um bicho
arisco
arranho
quando percebo o risco
me escondo de olhares
vividos
mas me assanho
com cheiro de carne viva
não resisto
se alisa
arrepio o pelo
mas dependo
da mão que afaga
égua braba
cavalgo
só depois de domada
mordo
quando encurralada
brinco
se bem alimentada
gemo
como as escandalosas gatas
tremo
depois de uma boa gozada

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Você faz amor como um bicho
E eu gosto disso
Quando me rodeia com olhar felino
Cheira meus hormônios
E ataca me lambendo
Feito um cachorro sem dono
Me rói até o osso
Me vira de quatro
Disposto
Tua respiração parece uivo de lobo
Tuas mãos
Garras de gavião
Se enfincam e me agarram
Até me tirar do chão
Sou presa fácil
Você como um réptil
Me ataca por baixo
Envenena
E me mata de tesão

Meu olho

Tenho um terceiro olho. Ele fica do lado de dentro. Diferente dos externos, não disfarça o que vê. E diz, meu olho que sente e não finge, também diz. É ele que te escreve, é ele que te fala. Sensível demais para o silêncio, meu terceiro olho grita. Meu terceiro olho existe. Meu terceiro olho é de fato. Não está nas costas, nuca, testa ou antebraço. Não se pode ver esse meu olho extra. Estrangeiro à vida externa, enxerga só o que me toca sem o tato. Nunca se cala... Aperta as pálpebras, depois arregala e chora sem vergonha. Escorre lágrimas de tristeza, felicidade, carência, carinho, tesão. O olho mágico, bonito e confuso, se deságua no meu mundo caleidoscópico, se perde em cores, dores, amores e ópio. Meu terceiro, bastardo olho, faz cegamente poesia o tempo todo.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Ele me disse satélite natural da terra
Sou
Não que seja ele quem me ilumina
Existem tantos sóis por aí...
Todos grudados ao meu lado
Enquanto permaneço indecifrável
No topo das cabeças
Esperando que realmente acordem
E que um dia cansem
De toda vez me alcançar
Cravar sua bandeira
E comemorar me usando
Como terra de desafios
Sou lisa aos olhos que me olham
Mas se realmente curiosos
Enxergam minhas crateras
Minhas sinuosas linhas
O que faço aqui
Também não sei
Se cresço, se minguo
Se encho de luz o desespero
Do ser que precisa de qualquer explicação
Para cada rumo de sua vida
Nem eu sei do meu mistério
Só aceito minha condição
Que os lobos uivem para mim
Que as bruxas dancem ao meu redor
Que os apaixonados me façam motivo
Sigo uma reticência no céu
Um solitária perdida

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A culpa não é sua

Eu preciso falar. Porque há dez anos eu guardo isso. Há dez anos eu nunca soube o que fazer, nem o que dizer.
Só que depois de apontar o dedo na sua cara e te dizer que a culpa é sua, ver você não esboçar nenhum tipo de reação me doeu mais que o meu sofrimento silencioso durante dez longos anos. Ver seus olhos paralisados e secos olhando pra mim enquanto eu externalizava toda minha raiva, me deu a dimensão do tamanho do seu desespero. Seu desespero é seco, é solitário, foi engolido e domado pra nunca mais sair daí. E isso também me desespera.
Você transformou toda sua dor em uma pedra imensa que você carrega sem reclamar. Por que? Eu grito há dez anos dentro de mim: POR QUE? Me dói não saber porque. E fica fácil dizer que a culpa é sua, porque é difícil admitir que não é. Nunca foi. A culpa não é sua. Não foi sua... Nao foi sua naquele dia em que eu entendi o que te machucava, não foi sua em todos os momentos constantes de tensão, de espera pela tensão, de resistência da tensão, não foi sua nos dias sistemáticos de abuso físico e psicológico, não foi sua nas descobertas ruins, não foi sua em cada humilhação, não foi sua nas dores físicas que tem sido geradas pelo estresse absoluto de viver em um cárcere de sentimento, dependência e submissão. A culpa nunca foi e nem será sua.
Só que fica difícil pra mim. Lembro que quando eu tinha um sete anos, você me disse que queria ser como eu. Eu nunca esqueci disso... Era pra você ser minha fortaleza, mas você é que me achava forte. O caso é que me fiz forte quando notei que faltava algo dentro de você, quando aos cinco anos você me disse que tinha saudade da sua mãe e eu respondi: mas e eu?, e você respondeu que um dia eu iria entender, e eu entendi, porque também sinto saudade da minha.
É difícil, porque eu, dentro desse inexplicável condicionamento a suportar com doçura, a encarar com coragem, eu pude suportar tudo que te feriu até hoje, mas talvez a pequena não suporte. Por favor, não a transforme na sua dor. Você não vê? Você não pode sentir que todo grito, todo berro, toda lágrima e toda rispidez dela são um pedido de socorro? Ela só quer ser amada. Mesmo em meio ao caos uma criança só precisa ser amada. Eu quero pra ela todo amor que eu tive, e se o amor que eu tive foi infinito, por que o dela não pode ser? Pare de mostrar pra ela seus espinhos, você ainda é uma flor. Deixa ela te tocar, deixa ela ver suas pétalas, nós duas somos tudo o que mais te contempla no mundo.
E eu ainda estou aqui. E não, eu não acho que a culpa seja sua. Se permita a enxergar de outro jeito, se permita a lembrar de quem você era, se permita a pensar no que você ainda por ser.
Por você, por nós.
Você sempre foi tudo que eu mais admirei, eu contava pra todos os coleguinhas que sua risada era a mais alta do bairro, porque eu amava ouvir você rir. Não ouço mais, não ouço mais porque não acontece com frequência, não ouço mais porque com dezesseis anos eu me afastei pra não ter que assistir de camarote você morrer aos poucos sem saber o quão importante e forte você é. Só que eu continuo aqui, eu estive aqui nesses dez anos esperando o grande dia que esses seus olhos secos iriam brilhar de novo e você iria segurar na minha mão e voltar pra superfície. Você é muito mais que isso, muito mais. Sempre foi. Você não precisa disso, ninguém precisa disso, nenhuma mulher precisa disso. Eu só queria dizer que eu estou aqui, pode me chamar quando quiser, nós vamos viver no mundo que eu passei a infância inteira sonhando, eu, você e algo mais em que naquela idade eu não sabia o que era. Talvez fosse o amor, talvez fosse o amor personificado. Eu, você e ela.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

doce

menina, você é doce. doce tipo doce mesmo. aquele doce suave, macio, bom de sentir o gosto... assim, tipo um veludo. doce de avelã. esse seu ar otimista faz a combinação perfeita com o teu sorriso calmo, fica tão... doce. olho pra você e vejo isso. só que quando toquei meus lábios nos seus, sei lá, já não senti mais isso. não é doce. aí ja não é veludo. aí é áspero, certeiro, aí já é rasgo, não é remendo, é corte, não curativo. seu beijo invande, você pede licença. timidamente ousada. eu pensei em você várias vezes no outro dia. você é assim, como o que você disse sobre o cantor brilhante... pode mudar o ambiente só com o som da sua voz.