segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

pode procurar
nos confins do mundo
no mapa que liga cada pinta única dos dois bilhões de homo sapiens
ir até o último círculo do inferno de dante
ou depois de onde judas perdeu a moral
não encontrarás
alguém que te tira do teu mais profundo comodismo
com piadas ácidas que conhecem teu ponto fraco
ninguém poderá te fazer outras memórias sanguessugas
que te fazem se sentir como um bebê que precisa da mãe
a bomba de hiroshima que não te atingiu
mas deixou a radiação em cada uma de suas células descendentes
a esfinge antropofágica que se devora
pois prefere a ânsia de nunca te ver decifrar o mistério
não busque a saída
não há qualquer fêmea, forma ou fumaça que passe a desgraça
da culpa que me fez escorrer entre seus dedos
e continuar sendo o rio
no princípio eu já previa
como verbo que é o que é
no inferno de ser não existe messias
que salve a negra mulher
não há provérbios
muito menos versos
que me serão solenemente dedicados
as qualidades dos anjos
nem me chegam perto
não é o tipo de afeto
que me foi reservado
se um dia clamei aos céus
gritando ao léu:
"eles não sabem o que fazem"
foi por desespero em saber
que aqueles que me decretam a cruz
não passam de covardes
e o que seria de mim
se não me mantesse forte
se não fosse a sorte
dos atalhos que não me sobram
caminhos tortuosos sempre me assombram
mas minhas pernas nunca se cansam
engulo a seco todos os socos
não compreendo ainda o propósito
deusas desviam-me de disfarçados monstros
e eu ressurjo entre os escombros
só é difícil porque aguento
rápido seria o errado
longo será o certo
virá em águas que desconheço
a recompensa desse deserto
a esperança mantem-se firme
no fim de tudo receberei
asas que me farão livre
de todo peso que carreguei

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

automutilação da alma
é curvar-se diante do trauma
e alimentar-se da própria ferida
pra quem sabe
diluir em si mesmo a raiva
da vida
da vida
da sina

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

desculpa
se a minha frieza
te frusta
é que fiquei calejada
de enfrentar
tantos caminhos de luta
sei manusear
a tristeza
mas a felicidade
me assusta
perdoa
se do lado de dentro
eu me sinto sofrendo
e o lado de fora
me ocupa
meu amor
é em estado bruto
não foi lapidado
pelas mãos verdes
dos seres imaturos
dos muros
que eu pulei
eu sei
o que deixei pra trás
pra transformar
em luz
o escuro
e não que eu seja
feroz
mas como um bicho
criado com os lobos
se eu não mordo
eu fujo

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

samba de despedida

sigo
descrente do laço
mas por instinto
ritmo
ou ilusão
ainda penso
no que não há de ser
nunca
e nem seria se fosse
porque me faltou
e sempre falta
a certeza
mesmo assim
sinto
que a brisa que chega
secando o suor
em minha nuca
nas noites infernais
dessa estação
enquanto sonho
com sua boca
no mesmo ponto
só pode ser
uma reiveinção
da sua paradoxa presença
quente e ao mesmo tempo
fresca
de quando você era chuva
e não cinza
acordo engasgada
com essa coisa
parada
em meu esôfago
desde do dia
em que eu disse que ia
mas nunca fui
passageira
que fica
fica quando sente vontade
que a gente sabe
que não existe samba de despedida
só de saudade
o que entristece
mais que os fatos
é perceber
como são organizados
para se repetirem
a história nunca muda
e a dor ainda vive
as ações
são cruéis e prolongadas
desrespeitosas e baratas
doloridas e injustas
mas incrivelmente
é sempre
a nossa reação
que assusta
O que me cobre
E o que me preenche
Vem da terra
Não da costela
Vem da mãe
A essência
Da minha existência
Sou raiz
Sou resistência
A minha paz
Encontro no silêncio
Das coisas fúteis
Me desprendo
Me liberto
Do que esta fora
E volto sempre
Para dentro



Já fui um feto
E hoje volto
Ao profundo
Antes do útero
Antes do luto
Pela semente
E do descaso
Pelo fruto
Tentativa de entender
Porque te afeta
A falta
Mas não te toca
A vida
Daquela que porta
Não o pecado
Mas a ferida
Que não estanca
Se anda
É presa fácil
Do predador doutrinado
O que te importa?
Depois que a mulher brota
A sua sina é crescer
Sem liberdade
Para nascer
Morrer
Parir
E
Ser


Ei,
Me apaixonei
Desde a primeira vez
Eu sei
Que você alimenta
Meu ser
Cansei
De ser dominada
Por cada parte sua
Penetrada
Em minhas entranhas
Minha mente te prende
Minha boca te solta
Minhas mãos te procuram
Meu coração te ganha
E eu sumo...
Se eu não te encontro
Sou vazio no escuro
Se eu não te encaixo
Trava
Se eu não te acho
Escapa
Se eu não te uso
Cala
Eu nunca sei seu rumo
Você simplesmente deságua
Em minhas veias
Teias de sentidos
Que transformam meus sentimentos
Equilíbrio
Sustento
Vício
Me declaro te vestindo
Do teu jeito mais bonito
Te escrevo
Te encarno
Vivo
Sua poesia rimada
Não precisa me amar de volta
Eu sempre serei sua
E grito seu nome:
Palavra!
não creio
em entidades
mas já que insistes
que por divinas mãos
fui criada
não receie em dividir
a fartura dos meus labios
nenhum milagre
renderia tanta carne
se não fosse
pra ser mastigada
5 da tarde
na linha vermelha
eu percebi que eu não era ninguém
perdida
no mar de gente
que parecia marchar cansada
na direção do trem
eu senti que morri...
7 da manhã
na linha vermelha
eu percebi que eu não era ninguém
quando aquela mulher
perdida
entrou na frente do trem
fez com que o mar de gente
parasse de marchar
pra ouvi-la, cansada, gritar:
eu quero morrer!

adíos sp
E se eu disser
Que aqueles versos
Sobre sexo
Selvagem
Não falavam de você
Mas de uma falta
Repentina e luxuriosa
De um desses casos
Sem importância
Não adianta
O que eu sinto
É mais sublime
Até que um gozo
meu corpo
não é afronta
nem convite
aos penetras
me penetrem
com ideias
nao me prendam
em suas rédeas
meu corpo
é a fonte
é a graça
e a carcaça
seduz caminhos
vagueia errante
reproduz
e deixa marcas
meu corpo
é amontado
de pele, sangue, água
e crânio
não apele
não te fere
que eu não o cubra
com seus mantos
meu corpo
é terra abismo
é buraco
queda ao limbo
nem profano
nem divino
meu corpo
encontra-se perdido
meu corpo
vai
e seu ir e vir
não muda
se desnuda
não insistam em vesti-lo
nao o serve a alma
nem de santa
nem de puta
meu corpo
é instrumento
alimento de energia
é dor no pensamento
do pudor e hipocrisia
meu corpo
é mais um corpo
dentre corpos rápidos
encorporados de tensão
a diferença é que
meu corpo
prefere preguiça
cevada, fumaça, comida
e tesão
meu corpo
já não importa
matéria viva
imagem morta
meu corpo carrega
o útero do mundo
da liberdade
que nunca aborta