meu coração de gelo
esquenta fácil
e derrete
e escorre
e transborda
e se divide
em mananciais
de sentimentos
que alimentam
um rio
que corre
e percorre
sem medo
tudo que pode
as vezes some
e se esconde
e condensa
mas depois chove
uma chuva densa
dessas que encharca
quem não tem medo
de se molhar
sábado, 18 de junho de 2016
complicado jogo
me causa
vontade
do outro
sem paciência
pro engodo
se tomam o doce
eu como o caroço
sou desse tipo
enganoso
pareço muito
ofereço pouco
sem esforço
sigo
ao contrário
na contramão
a contra-gosto
se quiser me por
na sua confusão
entenda metade da minha
e eu te explico o todo
não desvia do meu acidente
pancada bruta
corpo dormente
me olha
no olho
me causa
vontade
do outro
sem paciência
pro engodo
se tomam o doce
eu como o caroço
sou desse tipo
enganoso
pareço muito
ofereço pouco
sem esforço
sigo
ao contrário
na contramão
a contra-gosto
se quiser me por
na sua confusão
entenda metade da minha
e eu te explico o todo
não desvia do meu acidente
pancada bruta
corpo dormente
me olha
no olho
quinta-feira, 9 de junho de 2016
Meus olhos
Eu tenho uma relação de amor e ódio com os meus olhos.
Lembro-me de uma vez, quando criança, uma mulher ter se apaixonado por eles na mercearia
do bairro. Os dela brilhavam enquanto me dizia encantada que os meus pareciam
duas jabuticabas maduras. Eram, de fato, grandes e brilhantes, mas com o passar
do tempo, meu nariz, boca e bochechas cresceram tanto que os afundaram para
dentro do rosto. Hoje, estão lá, sendo mais como sementes do que como frutos.
Odeio-os porque não tem expressão. Amo olhos expressivos,
que sorriem, que desafiam, que seduzem. Meus olhos não se expressam, quando vejo
seu reflexo posso enxergar algo como um rio imenso e escuro em que as águas não
se mexem e não se pode enxergar o fim. São calmos e sem graça demais e eu
prefiro os voluptuosos.
Pelo menos tem mistério, eu acho. Só que rapidamente o
mistério se dilui em nada, já que nada representam. Nos retratos são meros
coadjuvantes, parecem sempre desajustados, pintados ou sem pintar, tenho a
impressão de serem desalinhados, seus cílios são curtos demais, têm bolsas embaixo
e uma das pálpebras está cheia de pintas. Meus olhos são feios, coitados.
Talvez eu os ame apenas pela estranheza.
Às vezes ficam apertadinhos quando brisados, sonolentos,
semi-acordados, ou quando empurrados por um sorriso exageradamente feliz.
Continuam inexpressivos, mas os prefiro assim. Meus olhos iludem até a mim
mesma, pois nunca posso decifrá-los, estejam eles cerrados ou não.
Raramente se enchem de água, se fecham com dificuldade
quando a noite cai e se perdem com facilidade assustadora. Sempre os pego olhando
para o nada sem meu comando durante longos períodos, fixados em qualquer
horizonte ou desesperadamente errantes. Abertos, mas sem enxergar absolutamente
nada. Porém, não posso culpá-los por isso, não faço meditação, durante esses
surtos são apenas vítimas da minha leseira crônica.
Além de me causarem estranheza, é certo que meus olhos me
incomodam. Sempre quis que fossem outros, talvez mais claros ou mais escuros,
tento em vão puxá-los ou levantá-los com pinturas, tento encará-los com
carinho, tento fazê-los reagir, mas eles continuam lá, sem nada a me dizer, em
silêncio. É também por isso que os amo. É também por isso que os odeio. Nada
pode me causar mais paixão e repulsa ao mesmo tempo do que o aquilo que é
estranho e desconfortável. Sigo nesse romance mal-resolvido com os meus olhos.
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