#Meuamigosecreto me dizia que a melhor pessoa pra eu perder
a minha virgindade era ele, que a gente confiava um no outro, que a gente era
amigo e que ele tinha um carinho enorme por mim. Eu ia me apaixonando por
aquelas palavras e pelo jogo que fazia eu me sentir desejada. Logo eu, que
tinha passado por um processo complicado na adolescência de ter sido sempre
preterida, tinha me tornado o patinho feio que virou cisne e agora alguém me queria
de um jeito mais profundo, mais especial. Mal sabia eu que o interesse dele e da
maioria dos meninos por mim dali pra frente seria sempre um único: sexual.
A história era ainda mais complicada, porque uma grande
amiga também era apaixonada por esse #amigosecreto e, claro, apesar de negar, ele
também era apaixonado por ela, toda linda, toda pura, toda branquinha, moça de
família. Eu, a neguinha cheia de fogo, era só para satisfazer o seu instinto as
escondidas.
Eu sempre falava que nada poderia acontecer entre a gente
por conta desse envolvimento entre ele e minha amiga, mas ele sempre me dizia
que ela era passado, além de reforçar um ódio recheado de julgamentos machistas
sobre ela. Então, aos poucos, fui cedendo, nunca dizendo pra ele e nem pra
ninguém o que eu sentia, porque de alguma forma eu sabia qual era o meu lugar e
a minha condição. Ainda fiz isso em diversos relacionamentos mais tarde.
Uns dias depois de uma primeira tentativa de sexo com ele,
eu fui a uma festa e o vi desfilando de mãos dadas com outra garota, mais uma
dessas que preenchem as exigências de “moça para namorar”. Chorei no meio da
festa, bebi tudo que podia, encontrei um amigo dele e foi naquele dia, com esse
sujeito, que perdi a minha virgindade em um motel barato qualquer.
Não me lembro até hoje de praticamente nada. Me senti
péssima e acabei contando pra ele em um outro dia, foi quando ele me levou
embora de sua casa e me tratou como se eu estivesse suja. A coisa só piorou
depois daí, porque agora ele e os amigos tinham aval para me taxarem de biscate,
de fácil e para ficarem me ridicularizando nos lugares. Eu me sentia cada vez
mais perdida.
Quando enfim me libertei de tudo, ele começou a namorar a
minha amiga. Eu tomei coragem e contei o que havia acontecido a ela. Um tempo
depois ele apareceu, tentou fazer com que eu me sentisse culpada, que eu
sentisse vergonha por ter traído uma amiga, que eu sentisse vergonha por ter
exposto algo que era para ter ficado escondido, me julgou, me humilhou, fez com
que eu me sentisse a pior pessoa do mundo.
A minha amiga também achou que eu fosse culpada, brigou
comigo e eu fiquei sozinha. Todos os meus amigos passaram a achar que eu não
era alguém confiável, até eu mesma passei a me ver assim e levei meses para
desfazer esse pensamento na cabeça das pessoas e na minha própria cabeça.
Eu já superei tudo isso, eu já perdoei essa pessoa, apesar de
provavelmente ele ainda se sentir isento de culpa em toda essa história, mas, mesmo
assim, eu não queria ter feito esse relato, porque ainda me dói de alguma forma.
Eu ainda fico tensa quando as pessoas tocam no assunto de virgindade, porque tudo
isso volta a minha cabeça e eu nunca sei o que falar. Só que todas nós
resolvemos juntas colocar essas coisas que doem pra fora de uma vez por todas,
para que os caras se toquem, para que as meninas mais novas não passem por
isso, para que as pessoas percebam como o machismo está impregnado em nós, para
que repensemos a criação de nossos filhos, a educação das nossas crianças. E sim,
histórias e comportamentos como esses se tratam de casos de machismo e não de
um “rolo” como costumam chamar por aí. Viver em uma sociedade machista é achar
que as mulheres são sempre culpadas. Culpadas por se relacionarem com quem bem
entendem, culpadas por aceitarem abusos, culpadas por serem maltratadas.
As meninas além de ter uma relação distante com seus corpos
e a sua sexualidade e terem, em sua maioria, péssimos inícios de vida sexual,
passam por traumas durante a vida inteira com sua aparência e em situações que
comprometem seu psicológico. Entram em relacionamentos abusivos e são
violentadas de várias maneiras, enquanto os garotos seguem a vida sem ser dar
conta disso.
A situação das meninas negras é ainda pior, porque enfrentamos
dupla opressão, a do machismo e a do racismo, nós ainda somos vistas como a
diversão casual, como o objeto sexual, como a cor do pecado, como a imagem do
desejo que não deixa o homem em paz, como se a gente não tivesse nenhum tipo de
sentimento, a gente é apenas carne e é a carne mais barata do mercado. Muitas
vezes, desestabilizadas emocionalmente, a gente assume mesmo esse papel.
Que, no mínimo, antes de ficar bostejando sobre essa
hashtag, parem para refletir como nós mulheres estamos cansadas de desde a
infância sermos subjulgadas e abusadas, como nós estamos saturadas e que isso
não se trata de uma onda, de uma moda, de uma loucura que viralizou, de distribuição
gratuita de ódio (até porque de gratuito isso não tem nada). Somos uma nova
geração de mulheres que resolveu cobrar isso por nós e por quem nunca teve voz.
Que isso sirva pra pensarmos juntos em como podemos mudar essa situação.